Neli Adriana e a filha tinham uma rotina combinada. Sempre após a escola, Joice da Silva deveria encontrar a mãe no trabalho, uma pequena lanchonete da família. A distância entre um ponto e outro beirava os dez minutos de caminhada. No início de junho de 2011, Joice, de 14 anos, não foi ao seu encontro, e também não estava em casa, com o pai e os irmãos. Ela tinha fugido.
Pelos amigos de Joice, a mãe descobriu que a adolescente não tinha ido à escola. Fechou o comércio às pressas e correu para casa. Com o marido, foi a vizinhos perguntar pela menina, mas ninguém sabia do seu paradeiro. Sem pistas, Neli chegou a procurar o corpo da filha no Instituto Médico-Legal (IML), onde recebeu orientação para ir à Fundação para a Infância e Adolescência (FIA), do governo do estado.
Joice, que reapareceu após 5 meses, hoje tem 27 anos e está entre os 4.010 localizados com a ajuda do programa SOS Crianças Desaparecidas, da FIA, desde sua criação, em 1996 — um número que representa mais de 86% de casos de desaparecimento solucionados. O endereço de descoberta do paradeiro de Joice foi informado por denúncia anônima e, para surpresa de Neli, era uma casa de parentes distantes.
— A minha família quase não tinha vida social porque trabalhávamos muito. A Joice sempre falava dos lugares que queria conhecer, cheguei a procurá-la por Petrópolis, mas não adiantou. Quando cheguei no IML, estava muito nervosa, chorava muito. Uma policial me acolheu, mostrou fotos e, graças a Deus, nenhuma era da minha filha. Depois, ela me apresentou à FIA e, no dia seguinte, fui lá pedir ajuda.
O desejo de passear, viajar, no entanto, não foi o que motivou Joice a fugir de casa. A decisão estava relacionada ao contexto familiar, no qual ela via, com frequência, a mãe ser desrespeitada e agredida verbalmente pelo pai, já falecido.
— Depois de muito tempo, ela me falou que “não suportava ver meu pai maltratando você”. Não era como se eu apanhasse todo dia, mas ele era um homem agressivo em palavras, me fazia sentir um lixo. Na época, eu não entendia o quanto essa violência prejudicava a minha família. Até a minha mentalidade mudar precisou a Joice desaparecer. Até hoje eu não sei detalhes do que ela passou, mas aprendi a respeitar isso, foi o conselho que recebi da FIA.
A fuga de casa é a principal circunstância de desaparecimento notificada à fundação: responde por 2.924 dos localizados. Depois, aparecem os perdidos e os incapazes subtraídos, 255 e 176 casos respectivamente.
Incentivado por amigos a explorar o Rio, Felipe Silva e Souza saiu de casa na surdina, aos 13 anos, e ficou 15 dias desaparecido, perdido pelas ruas da capital. Evandra da Silva Santos, sua mãe, acionou vizinhos e amigos, mas, assim como aconteceu com Neli, ninguém tinha informações.
O caso aconteceu em 2007, quando moravam em Vila Paciência, Santa Cruz, na Zona Oeste. O local, dominado pelo tráfico, gerava preocupação em Evandra, que tentava afastar o filho de más companhias. O contexto do bairro, segundo ela, foi até usado por policiais para negarem o registro de ocorrência:
— Os policiais disseram que ele não estava desaparecido, mas que tinham “desaparecido” com ele. Insinuaram que era envolvido, que deveria ter feito alguma coisa que desagradou ao pessoal da área. Eu me irritei, disse que estava lá porque um colega de farda deles tinha me orientado e que eu precisava fazer o registro. Foi aí que eles mencionaram a FIA e, na mesma hora, fui até lá.
A família continuou a procura pela cidade até que, ao andar por Copacabana, Evandra foi a uma igreja católica e descobriu, pelo padre, que Felipe estava na rua, acompanhado por um amigo. O menino era um vizinho de Santa Cruz, que costumava trabalhar como flanelinha na Zona Sul.
— Ele me contou que Felipe tinha ido com eles para Copacabana, mas que, na hora de ir embora, eles não o trouxeram de volta, não ficou claro o porquê. Meu filho ficou perdido, não sabia voltar para casa, não tinha dinheiro, foi parar até em Niterói. Foram 15 dias de desespero, que mais pareceram 15 anos. Chorava pensando nele, se ele estava bem, vivo, se tinha comida, foi muito difícil.
Foi uma tia que o achou na rua, com um machucado no joelho, e o levou para casa:
— Quando ele apareceu, foi uma choradeira danada. Ele me abraçou forte, pediu desculpa e prometeu que nunca mais ia fazer isso. Ele sempre fala da história, principalmente aos três irmãos, mostrando que não foi uma boa experiência. Eu sempre tive certeza que ia encontrar meu filho, apesar do medo. Posso dizer para as famílias que não percam a esperança.
Atualmente, existem na FIA 639 registros de crianças e adolescentes desaparecidos. As notificações chegam ao programa por meio do Conselho Tutelar, de delegacias, da Defensoria Pública, do Ministério Público, escolas, hospitais e por demanda da população. O atendimento, 24 horas por dia, oferece apoio psicológico e jurídico. Desde sua criação, 4.649 casos chegaram à instituição.
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